O balanço da rede, o bom fogo
Sob um teto de humilde sapé;
A palestra, os lundus, a viola,
O cigarro, a modinha, o café;
Um robusto alazão, mais ligeiro
Do que o vento que vem do sertão,
Negras crinas, olhar de tormenta,
Pés que apenas rastejam no chão;
E depois um sorrir de roceira,
Meigos gestos, requebros de amor,
Seios nus, braços nus, tranças soltas,
Moles falas, idade de flor;
Beijos dados sem medo ao ar livre,
Risos francos, alegres serões,
Mil brinquedos no campo ao sol posto,
Ao surgir da manhã mil canções:
Eis a vida nas vastas planícies
Ou nos montes da terra da Cruz:
Sobre o solo só flores e glórias,
Sob o céu só magia e só luz.
Belos ermos, risonhos desertos,
Livres serras, extensos marnéis,
Onde muge o novilho anafado,
Onde nitrem fogosos corcéis...
Onde a infância passei descuidoso.
Onde tantos idílios sonhei,
Onde ao som dos pandeiros ruidosos
Tantas danças da roça dancei...
Onde a viva e gentil mocidade
Num contínuo folgar consumi,
Como longe avultais no passado!
Como longe vos vejo daqui!
Se eu tivesse por livro as florestas,
Se eu tivesse por mestre a amplidão,
Por amigos as plantas e as aves,
Uma flecha e um cocar por brasão;
Não manchara minh’alma inspirada,
Não gastara meu próprio vigor,
Não cobrira de lama e de escárnios
Meus lauréis de poeta e cantor!
Voto horror às grandezas do mundo,
Mar coberto de horríveis parcéis,
Vejo as pompas e galas da vida
De um cendal de poeira através.
Ah! nem creio na humana ciência,
Triste acervo de enganos fatais,
O clarão do saber verdadeiro
Não fulgura aos olhares mortais!
Mas um gênio impiedoso me arrasta,
Me arremessa do vulgo ao vaivém,
E eu soluço nas sombras olhando
Minhas serras queridas além!
- Fagundes Varela, em "Cantos meridionais", 1869.
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