segunda-feira, 18 de maio de 2015

TRANSLUCIDEZ


Lúcido como o fio de uma navalha
atravesso a rua
no instante
exato.
A vida em volta me atordoa.
Esta correria, este zumbido, este medo – é isto
a vida?
Lúcido,
me perco,
reparto-me em calçadas, andares, repartições, sobrelojas,
me esqueço,
deixo de ser-me: sou todos,
nada.
Lúcido – como suportar?
A vida em volta me atordoa,
me machuca, me mastiga, me consome.
De noite na cama,
pergunto: quem sou eu? qual meu nome?
No entanto aqui na rua é inútil a rima, é inútil a dúvida.
Olha, o sinal logo abre.
Meu Deus, tanta zoeira, poeira nos olhos, amargo na boca,
meu Deus, tanto nojo! É isto, a vida? Como suportar?
Lúcido como o fio de uma navalha
atravesso a rua
no instante
exato
que
um reflexo de sol me cega os olhos.
Otto Leopoldo Winck
Foi quando eu abri a janela
e entendi que a noite acabara.
Da madrugada só restara
a prata velha do orvalho
no mato antigo da estrada.
E um vulto escuro contra o dia
que, incontestável, surgia.
Era o passado? Era o futuro?
Não sei. Só sei que quanto mais
o fitava, mais o perdia.
Otto Leopoldo Winck

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