segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Caderneta alemã


De Mara Paulina Arruda

Atendeu o interfone. Ouviu a voz Dele contando que tinha chegado de viagem. Afobado contava que tinha encontrado uma cadernetinha antiga de sua avó. A cadernetinha, de capa preta, com receitas culinárias escritas em alemão. A avó dona desta preciosidade fazia uma geléia que era o supra-sumo da perfeição culinária. Muitas vezes, Ele, quando criança, assistiu
a feitura desta geléia. Eles, a panela no fogo, o doce sendo preparado até ficar em ponto de fio e o aroma em toda casa; lembrou-se que viu na ponta dos pés o borbulharem das cascas de laranja com açúcar. O tempo passou. Ele cresceu. Foi estudar em outro estado e agora já formado encontrou a caderneta numa caixa que sua mãe guardava dentro de um baú e que iria pôr no lixo. Que saudades! O folhear da caderneta desencadeou as lembranças de uma infância saudosa e o mesmo aroma da geléia de laranja de quando era pequeno que viu os olhos da avó olhar os seus. Ai nesse folhear de caderno ele lembrou-se dela e de um namorico que tiveram na adolescência. Silenciou por alguns instantes. Depois disse que precisariam conversar sobre o quanto foi difícil a ausência dela, no tempo de estudo, mas que essa conversa ficaria para mais tarde e concluiu que alguém havia lhe contado que ela tinha virado pesquisadora. Que por não ser boa cozinheira suas pesquisas estavam centradas no arqueológico da culinária. Ora! Ele dizia não acreditar nisso.
Ela, no décimo segundo andar e Ele, na calçada, ao lado do portão do prédio conversaram por mais de 40 minutos através do interfone. Conversa vai conversa vem havia para Ela uma dúvida: O que eu vou fazer com essa caderneta se nem uma vírgula de alemão eu sei? Eis a questão, prontificou-se Ele: deixe-me ir até o seu apartamento e você conhecerá compotas de pêssegos, figos e essa geléia que te falei sendo preparadas por mim! Ela largou o fone no ar descendo num pé só para buscá-lo no portão.

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