domingo, 18 de novembro de 2012


É meio triste quando você acorda no meio da madrugada querendo matar alguma pequena parte de sua melancolia afogada em um copo de refrigerante ou cerveja, abre a geladeira e tem de se conformar com um resto de iogurte comprado há semanas. Você estivera na cama sonhando coisas bem estranhas. Sonhou que era inquilino numa casa onde os inquilinos anteriores ainda permaneciam; eram ratos, formigas e baratas, e lhe davam agora uns conselhos e lições de moral em forma de versos. Você senta na privada e cheira aquilo pra saber mais ou menos o que está prestes a mandar pra dentro do teu estômago. Esse tipo de merda tem tanto conservante que é difícil que estrague, e talvez seja preciso um estômago ácido que nem o seu pra dar um jeito nisso, e não o contrário. Iogurte, aliás, já é um
troço estragado; danoninho, uma espécie de queijo doce – se você não está enganado, eles costumavam chamar o tal de queijinho da danone. Ou é só maluquice sua? Impossível que seja. Você mata logo o que resta de plasma flavorizado na garrafa e, então, num gesto que apenas o instinto poderia ensinar alguém a fazer, dá uma remexida circular na garrafa como se pra fazer mais iogurte se juntar no fundo. Dá pra sentir que já existe um bom tanto, então você vira novamente na boca. E repete o processo.
As finanças andam ruins na sua casa. Quando isso acontece, uma das primeiras a sofrer é a geladeira. Até há pouco havia cerveja sobrando por ali. Pelo menos duas latas pra cada dia de melancólica existência. Agora, nem sombra.
Também papel anda em falta. Suas folhas acabaram há dois dias e você não foi correndo à papelaria desta vez pra comprar mais. Algum tipo de sentimento de culpa te assaltou, e não foi o mesmo de sempre, que você sente quando se coloca a gastar papeis como um doido e então sente uma pontada de tristeza pela quantidade de árvores que tiveram de ser sacrificadas pra que você pudesse, hoje, se chamar de Grande Artista neo-Renascentista do pós-Arte.
Não há nenhuma barata nesse banheiro pra você matar, então você se levanta, puxa a cueca de volta, a calça, e vai à cozinha. Antes, apanha uma caixa de leite dessas tetrapak na geladeira. Despeja num copo. Bebe. Uns pingos impertinentes caem da torneira da pia, gerando um som surdo e irritante. Pra alguém que tem dormido mal, esse tipo de coisa se parece muito com tortura chinesa. Você precisa ir até ali dar um jeito nisso. Vai. Volta. Não há papel à vista – apenas um rolo de papel-toalha, sem nenhum papel em volta. Você o pega. E escreve este texto sobre esta espécie de pergaminho pardo, em formato de rolo.
Cavi Pessoa
 

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