quinta-feira, 15 de novembro de 2012

PLAY


Alexandre França
 

    deixe o limite adormecer
    entre comigo neste ecossistema
    de calamidades fisiológicas
    comida processada, refrigerantes,
    bom ar, desodorante e sexo.
    deixe a tela nos engolir
    e mergulhemos neste mar de vodka
    e solidão aos litros.
    não há motivos para voltar
    há sim motivos para acender o pulmão
    com algum fluido a cada lacuna desbravada.
    vamos arrancar a roupa do dia
    com a nossa afiada falta de bom senso
    e mastigar o piso carpetado do medo
    com a dentadura dos prédios mofados.
    há sempre alguém acordado por você
    seus pais, sua amante, seus filhos, a rua,
    ou melhor: a sua falta de culpa.
    nossa série já está montada
    proibida para a massa
    proibida para cachorros
    proibida para a sobriedade.
    deixe o limite adormecer
    e comprove a falta de tato que há numa manhã
    a falta de orgulho que há num final de tarde
    há falta de tédio que há na noite.
    vamos, com os facões da obviedade
    desligar os programas de auditório
    cortando cabeças, cortando frases,
    o direito de resposta.
    as grandes conquistas não serão mais grandes conquistas,
    os grande homens não serão mais grandes homens,
    pois grandes seremos nós, sem motivos ou discursos,
    apenas a nossa existência ilimitada
    pois a falta de limite nos dá este presente:

    dificilmente iremos perceber
    a morte ao nosso lado.

    (Poema extraído do meu livro De Doze em Doze Horas, publicado em 2010 pelo selo Dezoito Zero Um)

Nenhum comentário: