Rompe a
manhã da madrugada ardendo em rubro
como corda que arrebenta
rompe a primavera do escuro ventre do inverno
como corda que arrebenta
rompe a primavera do escuro ventre do inverno
como um
parto difícil
rompe o pinheiro da treva, da erva, da terra
como grito.
É o primeiro dia da ocupação:
dia duro, complexas arestas das horas.
Deste até o último
ainda conquistam os homens o novo mundo,
desbravam, cultivam a terra inculta
e nela semeiam o viver, em suor regado.
- É sempre assim, doutor,
essa vida, essa vileza!
Venha que eu lhe mostro
com quantos paus se faz um barraco,
como na luta se vive
e se morre.
O rosto desta criança ensina
dos anos que ainda não tem.
Nunca se queixa esse filho de Eva
que a inocência resgata no território das lutas.
São crianças reais, que ensinam o viver.
Seu olhar desconfia da mão dirigida,
se carícia ou se tapa.
Sua boca sorri, pronta a abrir-se em pranto
seus dentes se mostram na risada ou na mordida
(mas é um sorriso sem cálculo, e um choro sem métrica,
riso de dentro das órbitas escuras,
mordidas que cabem na envergadura da boca).
Suas mãos se fecham, e agarram inconstância
(mas é um pegar de dez dedos seu quinhão de vento).
Seu pequeno corpo é seu espólio do mundo,
herança de carne e fome, desejo e impotência
(mas é também barco no aguaceiro do mundo,
suporte da existência onde o sentido é tato
onde fragilidade é força,
onde real é fato).
Se sonham? Ora, são só sonhos esses pequenos,
só força e desapego: barro entre os dedos,
poeira nos olhos, cardina nas mãos, no rosto,
no corpo diminuto de não alcançar tamanho de mundo.
Seu lugar é no etéreo, na noite,
nos poucos metros deste lote...
enquanto lá fora constroem cidades,
as sete maravilhas, o conforto dos reis.
Quando vês o imenso progresso,
a maravilha do progresso,
o efêmero progresso,
não supões os olhos, nem as mãos consumidas
desses futuros operários,
óleo da máquina produtiva,
matéria bruta de consumo e descarte.
São só sonho esses desgraçados e sangue nos olhos.
Expressão sem sentido
anteparo de socos,
escopo, alvo de tiro...
De quem são essas crianças?
Se não sabes, nada entendes do mundo.
São teu patrimônio, sentido de tua existência,
teu ser de amanhã.
Sem elas não tens história,
nem identidade:
são filhas do mundo.
Dentre seiscentos barracos,
escolhe um: lá encontras três, quatro crianças,
cada uma em talhe diferente
perspectiva distinta no olhar.
Uma tem sardas; outra, negra, é meia-irmã de uma terceira,
clara como nuvem.
Têm elas milhares de irmãos,
no Oriente, na África, na Ásia,
filhos todos de uma mesma mãe.
Se isso não compreendes
não é a genética que te irá explicar,
nem a filosofia,
nem a mídia, os jornais e revistas
que frequentas na espera do dentista,
no táxi,
no foyer dos hotéis,
nas estantes de galerias,
nas enciclopédias da universidade.
A potência que destrói tua compreensão da vida
...está na vida.
O que te explica a ciência do mundo
e a vida
é esse sorriso esquivo,
essa dentição disforme,
essa maturidade precoce em infância tardia,
inocência só resgatada no cabo da enxada,
crachá no pescoço,
diploma tirado.
O que te explica a ciência do mundo
e a vida
é esse rebento de flor que mal desabrocha,
fenece entre sacos de lixo
e terra revolvida,
terra que não é sua,
que não será,
senão por meio da guerra.
E cada torrão, cada metro disputado,
será por meio da guerra,
e cada palmo, cada passo dado,
cada cerca derrubada,
cada movimento de teu diafragma
conquistado será pela guerra e pela espada:
é quanto vale o sonho e o direito,
quanto paga esse brilho nos olhos,
quanto vale o riso desdentado
e o peso diminuto dos pés,
que mal tocam o chão.
Texto :Gustavot Diaz
rompe o pinheiro da treva, da erva, da terra
como grito.
É o primeiro dia da ocupação:
dia duro, complexas arestas das horas.
Deste até o último
ainda conquistam os homens o novo mundo,
desbravam, cultivam a terra inculta
e nela semeiam o viver, em suor regado.
- É sempre assim, doutor,
essa vida, essa vileza!
Venha que eu lhe mostro
com quantos paus se faz um barraco,
como na luta se vive
e se morre.
O rosto desta criança ensina
dos anos que ainda não tem.
Nunca se queixa esse filho de Eva
que a inocência resgata no território das lutas.
São crianças reais, que ensinam o viver.
Seu olhar desconfia da mão dirigida,
se carícia ou se tapa.
Sua boca sorri, pronta a abrir-se em pranto
seus dentes se mostram na risada ou na mordida
(mas é um sorriso sem cálculo, e um choro sem métrica,
riso de dentro das órbitas escuras,
mordidas que cabem na envergadura da boca).
Suas mãos se fecham, e agarram inconstância
(mas é um pegar de dez dedos seu quinhão de vento).
Seu pequeno corpo é seu espólio do mundo,
herança de carne e fome, desejo e impotência
(mas é também barco no aguaceiro do mundo,
suporte da existência onde o sentido é tato
onde fragilidade é força,
onde real é fato).
Se sonham? Ora, são só sonhos esses pequenos,
só força e desapego: barro entre os dedos,
poeira nos olhos, cardina nas mãos, no rosto,
no corpo diminuto de não alcançar tamanho de mundo.
Seu lugar é no etéreo, na noite,
nos poucos metros deste lote...
enquanto lá fora constroem cidades,
as sete maravilhas, o conforto dos reis.
Quando vês o imenso progresso,
a maravilha do progresso,
o efêmero progresso,
não supões os olhos, nem as mãos consumidas
desses futuros operários,
óleo da máquina produtiva,
matéria bruta de consumo e descarte.
São só sonho esses desgraçados e sangue nos olhos.
Expressão sem sentido
anteparo de socos,
escopo, alvo de tiro...
De quem são essas crianças?
Se não sabes, nada entendes do mundo.
São teu patrimônio, sentido de tua existência,
teu ser de amanhã.
Sem elas não tens história,
nem identidade:
são filhas do mundo.
Dentre seiscentos barracos,
escolhe um: lá encontras três, quatro crianças,
cada uma em talhe diferente
perspectiva distinta no olhar.
Uma tem sardas; outra, negra, é meia-irmã de uma terceira,
clara como nuvem.
Têm elas milhares de irmãos,
no Oriente, na África, na Ásia,
filhos todos de uma mesma mãe.
Se isso não compreendes
não é a genética que te irá explicar,
nem a filosofia,
nem a mídia, os jornais e revistas
que frequentas na espera do dentista,
no táxi,
no foyer dos hotéis,
nas estantes de galerias,
nas enciclopédias da universidade.
A potência que destrói tua compreensão da vida
...está na vida.
O que te explica a ciência do mundo
e a vida
é esse sorriso esquivo,
essa dentição disforme,
essa maturidade precoce em infância tardia,
inocência só resgatada no cabo da enxada,
crachá no pescoço,
diploma tirado.
O que te explica a ciência do mundo
e a vida
é esse rebento de flor que mal desabrocha,
fenece entre sacos de lixo
e terra revolvida,
terra que não é sua,
que não será,
senão por meio da guerra.
E cada torrão, cada metro disputado,
será por meio da guerra,
e cada palmo, cada passo dado,
cada cerca derrubada,
cada movimento de teu diafragma
conquistado será pela guerra e pela espada:
é quanto vale o sonho e o direito,
quanto paga esse brilho nos olhos,
quanto vale o riso desdentado
e o peso diminuto dos pés,
que mal tocam o chão.
Texto :Gustavot Diaz
(foto: Gregório Brunning).
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