Olhar o rio e compreender que o tempo
é um rio que flui e não retorna, e, se retorna,
será, num tempo outro, um outro rio.
Olhar o rio e compreender também
que, se as suas águas as nossas mágoas
levam, é nesse rio, além da foz,
além do mar, além da noite extrema,
que as nossas lágrimas se transfiguram,
iluminadas não das mágoas mortas,
que destas já não há nenhum remédio,
mas daquelas que ainda surgirão,
pois se há fluir, se há correr, se há viver,
sempre haverá sofrer, e pena, e mágoa.
Olhar o rio e compreender que o tempo
é o rio sem fim em que nos batizamos,
irremediavelmente naufragados,
todo dia, toda hora, a todo instante.
Olhar o rio e aceitar que não podemos
nos agarrar aos ramos e às raízes
da encosta – e que os barrancos nem sequer
a fantasia da estabilidade
nos podem, despencando, transmitir.
Olhar o rio e compreender enfim
que, se a sina de todo rio é o mar,
o fim de toda gente é navegar,
ai, sem cartas, sem ferros, sem correntes,
em direção do insofismável mar,
na imensa noite que da noite outra
cai, silente, solene, generosa.
Olhar o rio e, mais que compreender,
reconhecer que o fim, no fim de tudo,
é se deixar levar por essas águas,
sem reservas, sem medos, sem paixões,
até que, num rio outro, além da noite última,
possamos vir à tona, como arcanjos,
nas águas límpidas do não-ser.
Olw
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