José Paulo Paes
Cidade, por que me
persegues?
Com os dedos sangrando
já não cavei em teu
chão
os sete palmos
regulamentares
para enterrar meus
mortos?
Não ficamos quites
desde então?
Por que insistes
em acender toda noite
as luzes de tuas
vitrinas
com as mercadorias do
sonho
a tão bom preço?
Não é mais tempo de
comprar.
Logo será tempo de
viajar
para não se sabe onde.
Sabe-se apenas que é
preciso ir
de mãos vazias.
Em vão alongas tuas
ruas
como nos dias de
infância,
com a feérica promessa
de uma aventura a cada
esquina.
Já não as tive todas?
Em vão os conhecidos
me saúdam
do outro lado do
vidro,
desse umbral onde a
voz
se detém interdita
entre o que é e o que
foi.
Cidade, por que me
persegues?
Ainda que eu pegasse
o mesmo velho trem,
ele não me levaria
a ti, que não és mais.
As cidades, sabemos,
são no tempo, não no
espaço,
e delas nos perdemos
a cada longo
esquecimento
de nós mesmos.
Se já não és e nem eu
posso
ser mais em ti, então
que ao menos
através do vidro
através do sonho
um menino e sua cidade
saibam-se afinal
intemporais,
absolutos.
De A Meu Esmo (1995)
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