sábado, 20 de setembro de 2014

O texto que disponibilizo abaixo, de autoria dos professores Egon Bockmann Moreira e Heloisa Fernandes Câmara, publicado na Gazeta do Povo no último dia 14 de setembro, faz uma crítica consistente, sobretudo em questionamentos, à proposta de Constituinte exclusiva para mudar o sistema político, proposto inicialmente pela presidente Dilma e posteriormente defendida por mais de duas centenas de entidades e movimentos sociais de todo o país (e por mim aqui no blog).

Vale a pena ler.

Faço aqui um breve resumo do texto e, posteriormente, minhas considerações.

Sobre o texto de Egon Bockmann e Heloisa Câmara:
Os autores defendem uma posição que chamam de “cautelosa”, pela manutenção da atual ordem constitucional e contra “soluções mágicas” (Constituinte), a partir de algumas premissas:
a) Não reconhecem a legitimidade de uma nova Constituinte, ainda mais uma que seja restrita à Reforma Política.
b) Não acreditam que os problemas apontados pelos movimentos sociais em relação à política se resolvem com mudanças no texto constitucional.
c) Entendem que uma nova Constituinte coloca em risco as conquistas da Constituição promulgada em 1988, sobretudo as cláusulas pétreas.
Os autores encerram o texto alertando aos leitores que não se trata de uma posição conservadora e reconhecem que há problemas na atual representação política.
Entendem, portanto, que a única solução legítima, segura e real para solucionar os problemas do sistema político seria a aprovação de projetos de lei pelo atual Congresso Nacional, sem necessariamente alterações no texto constitucional, tendo em vista que os problemas seriam exógenos às instituições políticas.
Rebatem, assim, a tese de que o atual Congresso não vai se auto-reformar, defendida pelos movimentos sociais, alegando que os deputados constituintes eleitos também seriam escolhidos sob o mesmo sistema eleitoral, o que tornaria sua representação tão deformada quanto a dos atuais mandatários.
Minhas considerações (começando pelo fim):
1) É verdade que se os congressistas constituintes forem eleitos sob as mesmas regras dos atuais, nada mudará. Assim, parto da premissa que a manutenção da atual ordem constitucional (estruturas políticas) e das atuais regras eleitorais impedirá soluções reais para os problemas de representação, tão reivindicadas nas ruas desde junho de 2013. Esse Congresso, portanto, de fato, não vai se auto-reformar. Por isso, propomos que, para a Constituinte, seja definido o financiamento público da campanha e a distribuição igualitária de recursos entre todos os candidatos.
2) Por se tratar de uma constituinte temática, na qual se debateria os artigos que concentram a organização e o funcionamento das instituições políticas do país, não estaríamos debatendo direitos individuais. Não há espaço para questionamentos sobre maioridade penal, pena de morte e demais temas que provocam temor nos setores mais progressistas da sociedade.
3) Quanto à legitimidade de uma nova constituinte exclusiva e temática, não há nenhum golpe à Constituição, tendo em vista que não há nenhum empecilho no texto constitucional à realização de uma Constituinte parcial, para resolver, com o mais amplo debate na sociedade, problemas que não podem ser tratados isoladamente ou numa miríade de PLs e PECs que tramitam no Congresso. Propomos um processo democrático de decisão, através de um plebiscito oficial prévio para aprovação da Constituinte e a possibilidade de um referendo posterior, permitindo assim que a soberania popular prevista no texto constitucional se manifeste verdadeiramente.
4) Os autores reduzem a crítica dos movimentos sociais ao modelo eleitoral, quando, na realidade, há uma proposta de mudança da estrutura das instituições políticas, cerne dos problemas da representação. Não há como mudar apenas as regras do pleito eleitoral ao Senado, por exemplo, sem discutirmos a necessidade ou não da representação bicameral. Ou mesmo, não há como debater o modelo eleitoral do Congresso Nacional sem que antes discutamos o problema do voto de um eleitor de Roraima valer 10 vezes o que vale um de São Paulo. Como afirma o dirigente da CUT, Julio Turra, “a regra elementar da democracia, um eleitor, um voto, no Brasil, no plano nacional, não existe”.
5) A Constituinte proposta pelos movimentos sociais hoje é justamente o que pode impedir o avanço das ideias mais retrógradas que se proliferam na sociedade e apresentar uma saída positiva para o grito por mudanças expresso nas jornadas de junho do ano passado. Sem mudanças nas instituições políticas, as mudanças estruturais não virão, encurralando a massa de brasileiros num beco sem saída. Ao não encontrarem alternativas, as pessoas acabam capturadas pelas ideias que parecem resolver facilmente os problemas sociais do país: “ao invés de eliminar a pobreza, se elimina o pobre”. Já estamos vivendo esse processo, não é mesmo? O golpe às cláusulas pétreas da Constituição, temido pelos autores, não tardará a ocorrer, de fato, caso não encontremos uma alternativa política real, sem rodeios para justificar a inércia, a partir de uma agenda positiva de transformações sociais estruturais, respondendo à insatisfação popular expressa nas ruas em 2013.
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Artigo de opinião publicado na Gazeta do Povo - em 14/09/2014
Poder constituinte e reforma constitucional: até onde se pode ir?
Egon Bockmann Moreira e Heloisa Fernandes Câmara
Dentre outros efeitos, os protestos de junho de 2013 estimularam o debate a propósito do que se pode entender por participação democrática. Um de seus pontos de síntese foi a representatividade política e a insatisfação com as pautas adotadas pelos poderes constituídos. Como resposta, a Presidência da República apresentou a proposta da “constituinte exclusiva” – que só alterasse os direitos políticos da Constituição. Inicialmente, a sugestão foi abertamente criticada. Entretanto, depois foi encampada por movimentos sociais que elaboraram um “plebiscito popular” sobre a constituinte exclusiva para a reforma política. O que torna fundamental retomar a ideia de processo constituinte e as possibilidades de criação/alteração constitucional.
Poder constituinte é o poder com capacidade de fazer a nova Constituição. Supõe-se democrático e se manifesta em períodos de necessidade de mudança do sistema, como os revolucionários (muito embora possa advir de negociações e transições). Em tese, esse poder constituinte – dito originário – é ilimitado. Porém, ele não existe sozinho, mas vive ao lado do poder constituinte derivado, que é a criação que permite que se façam alterações na própria Constituição. Esta modalidade é permanente (de titularidade do Congresso Nacional), mas limitada (a Constituição possui conteúdos que não podem ser nem sequer reduzidos, as “cláusulas pétreas”).
Assim, a constituinte exclusiva soa deslocada de nossa tradição. E a pergunta que deve ser feita diz respeito aos limites estabelecidos pela própria Constituição: estaria tal constituinte obrigada a segui-los? Em outras palavras: a constituinte exclusiva deve respeito à Constituição? Se respondermos positivamente, a proposta assume caráter meramente simbólico, pois a possibilidade de mudanças é igual àquela de que hoje o Congresso dispõe. Mas, se a resposta for negativa, teremos um problema fundamental: seria possível suprimir cláusulas pétreas? Mais ainda: tal mudança não poderia caracterizar um golpe contra a ordem constitucional? A questão é fundamental, pois se as cláusulas pétreas expressam proteção à Constituição, não é possível alterá-las na vigência de um estado de normalidade sem configurar grave violação à própria estabilidade constitucional.
Mas, a despeito das questões jurídicas, são as questões políticas que trazem maiores dúvidas. O diagnóstico trazido pelos movimentos que apóiam a constituinte é o de falta de representatividade política, tanto em sentido geral como falta de representação de gênero e raça; abuso do poder econômico; necessidade de reformas estruturais etc. É muito difícil discordar que devemos ampliar a participação democrática, mas convém questionar exatamente como uma constituinte conseguiria resolver esses males.
Afinal, se o Congresso não nos representa, o que garante que a eleição para uma constituinte seria representativa? Será que os problemas de participação política decorrem prioritariamente do texto da Constituição ou de fatores exógenos? A alteração do texto e a negativa do processo que a construiu não colocam em risco as conquistas da Constituição promulgada em 1988?
Devemos ter cautela ao usar processos constituintes como um deus ex machina, especialmente porque nossa história está plena de exemplos de apropriação do conceito de poder constituinte como forma de “flexibilizar” – ou, melhor, de “endurecer” a ordem constitucional. E lembremos sempre: defender cautela ou questionar soluções mágicas não significa defender o conservadorismo.
Egon Bockmann Moreira, advogado e doutor em Direito, é professor da Faculdade de Direito da UFPR. Heloisa Fernandes Câmara, advogada e mestre em Direito, é professora do curso de Direito do Unicuritiba.
A necessidade da constituinte exclusiva e temática: considerações sobre o texto de Egon Bockmann...
O texto que disponibilizo abaixo, de autoria dos professores Egon Bockmann Moreira e Heloisa Fernandes Câmara, publicado na Gazeta do Povo no último dia 14 de setembro, faz uma crítica consistente, sobretudo em questionamentos, à proposta de Constituinte exclusiva para mudar o sistema político, proposto inicialmente pela presidente Dilma e posteriormente defendido por mais de duas centenas de entidades e movimentos sociais de todo o país (e defendido por mim aqui no blog).


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