Elsa Oliveira
" La seule chose insupportable, c’est que rien n’est supportable. "
Arthur Rimbaud
As memórias que um dia
sonhei minhas vão atravessando e diluindo as eras, estendendo-se como cordas
onde secam, lentamente, os infinitos de outrora.
Ratazanas enormes
parecem levar casas lá dentro. Penduradas nas árvores, bolas vermelhas com
olhos muito azuis no centro, penduradas nos passeios, velhas afiando as unhas
de talhar o fruto cortam a carne com as facas da paciência.
O vinho quente do
norte da europa, uma feira branca e os arcos coloridos abrindo em gomos uma
praça muito elegante. Será que já esqueceste o cheiro da canela? Por entre ruas
cor de rosa mastigo, de mão dada, o torpor alado do maquinismo do passo, e os
gatos magros fogem para trás de máscaras ostentadas por inúmeras placas
misteriosas. Então vejo a ponte a aproximar-se e corro com o moinho ao longe
para o seu braço solene. Inclino-me sobre o rio a tentar comer aquela luz que
há nos olhos dos pássaros a morrer, um frio terrível e liso a ensandecer o
corpo. A neve ensarilhada nos cabelos revoltos toca o colo das águas. Tenho-te
a cercar-me todas as fronteiras, a ti, que não sabes, dedico esse mundo dorido
de branco e de verde. Com uma ferida escarlate na órbita, a lucidez é tanta que
entontece os sentidos. É estúpido ir ver campas, mas eu vou na mesma, como
todos os outros. Chego à lápide com a noite. Si vous plait, laissez moi entrer,
je pars aujourd'hui. Com amigos que julgo eternos sento-me em cima das costas
do banco, como que a calcar a morte, e tudo me é estranho na sua familiar
aparição. Então, toda a exaustão se aproxima e observa a noite interna das
vísceras mais sensíveis, uma imensa bigorna caindo sobre o mundo, oh terrível e
sublime ópera humana, o tombar de todos os proletários do abismo, o eterno
decapitar da Intensidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário