Um amigo me perguntava dia desses: "Mas você ainda
consegue ler John Fante depois de todos esses anos?"
Eu entendi o que havia por trás da pergunta. Era como se
depois de eu ter lido tantos outros escritores, tidos como "melhores"
(essa não é uma observação minha, quero deixar bem claro), eu não pudesse
continuar apreciando a literatura de um cara como John Fante, que li em minha
juventude, época tido como mais apropriada para ler um escritor como ele. Acho
isso bobagem. Respondi simplesmente:
"Li Henry Miller antes de ler Bukowski. Miller é
considerado um escritor muito mais sofisticado que o velho Buk, e até concordo
com essa afirmação, mas isso não fez com que eu não conseguisse apreciar a
literatura do velho Safado, e tenha tido total identificação com seus escritos.
Gosto do estilo seco, hardcore e cortante do velho Buk, e também gosto de toda
a sofisticação da narrativa erótica do velho Miller. Não acho que um anule o
outro."
Não vou abastecer os sebos com meus livros queridos, só
porque descobri outro escritor que pode ser considerado "melhor".
Notem as aspas. O conceito de "melhor" me parece ser bastante
discutível.
Vou descobrir outros escritores durante a minha vida (espero
que sim). Vou me identificar e passar a ler com voracidade todos os livros
deles como tenho feito durante toda a minha vida, mas a idéia não é trocar uma
literatura por outra, e sim ampliar minha biblioteca, só isso. Não faço do meu
gosto literário uma gincana. Não consigo considerar um escritor que gosto
melhor que outro simplesmente, e a partir do dia que encontro um que poderia
ser tido como "melhor", então devo considerar indigno o escritor que
admirava até duas semanas antes? Isso me parece algo como "o sucesso da
semana" ou qualquer coisa do gênero. Há uma série de escritores que gosto
muito, só isso. Entre meus amigos que escrevem, também. Há livros deles que gosto
mais, e outros, menos. Só isso. Há certos escritores que escrevem
reconhecidamente muito bem, mas não me interessam. Não vou perder tempo lendo
algo com o qual não me identifico, só porque é evidentemente "boa
literatura". Caguei. Literatura pra mim é como cerveja, ou como vinho. Não
adianta você me dizer que a melhor cerveja é da marca tal. Se eu gostar de
outra, ela pode ser a mais vagabunda, vou continuar bebendo daquela. Não sou
crítico literário. Sou um leitor apaixonado. Embora eu leia Eisner ou Crumb
hoje em dia, com veneração, ainda leio os velhos "Almanaques Disney".
O fato de ter conhecido Van Morrison, não faz com que eu pare de ouvir Chuck
Berry. Não parei de ler Tex Willer, só porque descobri com enorme felicidade, o
genial Ken Parker. Os anos vão passar, novos escritores vão surgir, e eu só
quero envelhecer com alguma dignidade, tendo como companheiros, a literatura de
escritores queridos, e grandes músicos com suas canções belas e aterradoras,
para embalar os anos que talvez venham por aí. Não é nada demais. Quero
envelhecer quieto no fundo de um bar pouco freqüentado, sentado sozinho em uma
mesa, lendo um velho Kerouac, ou algum escritor novo com quem devo me
identificar. Quero ler a frase certa pra ficar emocionado na medida exata,
antes de subir ao palco com meus amigos de banda e ficar lá, quase absorto, em
paz, na companhia de poucos amigos, tocando um velho blues para poucas pessoas.
Parece um pouco romântico. Mas cada um tem o projeto de vida que quiser, não é?
Esse é o meu. O do Johnny Depp é "Quero virar um velho com uma barriga de
cerveja, sentado numa varanda e olhando um lago ou algo assim". Já Nei
Lisboa disse sabiamente : "Quero morrer bem velhinho, assim sozinho, ali
bebendo vinho e olhando a bunda de alguém". Me parece um jeito mais do que
feliz de envelhecer.
Mário Bortolotto
Nenhum comentário:
Postar um comentário